Com pacote do fim do mundo, Congresso ameaça compromissos climáticos do Brasil

Em semana de retrocessos, Congresso aprovou urgência do PL 490 e MP que esvazia ministérios e órgãos de proteção ambiental

Mais de 8 mil indígenas se mobilizaram na 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília. Foto: Mídia NINJA

Ao completar 150 dias de governo, Lula pode sofrer uma série de reveses que, na prática, esvaziam alguns de seus principais compromissos: o desmatamento zero e a liderança do Brasil no enfrentamento às mudanças climáticas. No fim das contas, a derrota ambiental prejudica os mais pobres e Lula pode não conseguir avançar em parte significativa das medidas para melhoria de vida do povo brasileiro. Por isso, precisamos ficar alertas a alguns movimentos que estão acontecendo no Congresso Nacional:

Votação da tese do “marco temporal”

A Câmara dos Deputados deve votar, nesta semana, o Projeto de Lei 490/2007, que estabelece um “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas. Por este projeto, passam a ser considerados apenas os territórios ocupados por esses povos até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Na quarta-feira passada (24), a Câmara decidiu pelo regime de urgência para a matéria, por 324 votos a favor e 131 contra.

Além de atacar a Constituição Federal, os povos indígenas e o governo, os setores reacionários que formam a maioria da Câmara querem “se antecipar” ao Supremo Tribunal Federal, que marcou julgamento sobre a validade do “marco temporal” para o próximo 7 de junho. Descaradamente, o objetivo é inviabilizar os processos de identificação e demarcação de terras indígenas, aumentando ainda mais sua vulnerabilidade e o risco de conflitos. Além de ameaçar um dos principais compromissos de Lula com os indígenas, tal medida atrapalha o combate ao desmatamento, uma vez que esses territórios são justamente os mais preservados.

Um “dia do fogo” em Brasília

Ainda no mesmo dia, a comissão mista do relatório da Medida Provisória 1154/2023 votou uma proposta que fragiliza instrumentos e retira poderes dos ministérios de Marina Silva e Sônia Guajajara. Entre outras questões, o Ministério do Meio Ambiente pode perder o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Ministério dos Povos Indígenas perderá o poder de decisão final, no âmbito dos ministérios, sobre o processo de demarcação.

Os deputados governistas se comprometeram a tentar reverter essas mudanças, mas todo esse processo já mostra que o governo, com uma base frágil, vai ter dificuldade para implantar uma pauta que ameaça interesses poderosos da classe dominante do país.

E essa mesma medida provisória pode conter ainda mais um ataque profundo: querem tirar do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) o poder de licenciar obras consideradas de “interesse nacional”, em especial projetos de infraestrutura – hidrelétricas, ferrovias, entre outros. Por “coincidência”, são justamente esses projetos que causam a maior complexidade de impactos e a principal forma de garantir alguma medida de reparação para os atingidos é justamente nas condicionantes do licenciamento ambiental. 

Ainda neste “dia do fogo”, a Câmara decidiu ignorar as mudanças feitas pelo Senado e retomou trechos da MP 1.150/2022, que enfraquece a proteção da Mata Atlântica. Esperamos que o presidente vete as alterações.

Essas medidas têm sido interpretadas como uma “retaliação” após o Ibama negar a licença para a extração de petróleo na Foz do Amazonas pela Petrobras. Os setores atrasados encamparam a narrativa de que esta foi uma medida política do setor ambientalista do governo, quando deveria ser tratada como uma resposta técnica do órgão, que solicitou a realização do estudo integrado da bacia antes de autorizar a perfuração. 

Enfraquecimento do Licenciamento Ambiental

Nesse clima de retrocessos, outras medidas alinhadas à pauta do candidato que perdeu a eleição encontraram terreno fértil para voltar à discussão. Os responsáveis por semear a destruição são os representantes dos setores que não precisam do desenvolvimento do Brasil, pois vivem de exportar commodities: o agronegócio e a mineração.

Nessa semana, o Senado volta a discutir a flexibilização do licenciamento ambiental, nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). A matéria em questão é o Projeto de Lei  2.159/2021, que enfraquece o controle do poder público sobre atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e capazes de provocar degradação ambiental. A proposta já foi aprovada na Câmara, como PL 3729.

Leia Mais: Nota | O desmonte do licenciamento ambiental não interessa ao povo brasileiro

Criminalização dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil

Outra agenda que ganha espaço nesta legislatura é a criminalização dos movimentos sociais.  Instalada na penúltima quarta-feira,17, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) iniciou seus trabalhos. Entre os 27 membros titulares da comissão, 20 integram o bloco de oposição ao governo federal, incluindo toda a mesa. 

No Senado, outra CPI que pode ser instalada nos próximos dias é a CPI das ONGs, com a finalidade de investigar a liberação, pelo Governo Federal, de recursos públicos para organizações não governamentais e organizações da sociedade civil, de 2002 até 1º de janeiro de 2023. De acordo com senadores envolvidos, a CPI terá foco em organizações que atuam na Amazônia e organizações indígenas. 

Esse conjunto de ofensivas pode trazer à baila outras, como a regulamentação da mineração, exploração de petróleo e hidrelétricas em terras indígenas. Mesmo com o pedido para retirar o PL 191/2020 de tramitação, essas iniciativas podem voltar em forma de outro projeto a qualquer momento. 

Não temos tempo: é preciso avançar

Essas são algumas das várias medidas, em andamento ou sinalizadas no Congresso, que agravam ainda mais a destruição ambiental e ampliam as desigualdades no Brasil. Elas podem impedir que o país alcance suas metas de redução do desmatamento e redução das emissões, além disso, podem tornar o ambiente mais favorável para projetos de grande escala, como barragens, mineração e garimpo ilegal. 

Historicamente, os atingidos e as atingidas por esses projetos são as populações mais vulneráveis, como os indígenas, quilombolas e povos tradicionais, camponeses e moradores das periferias urbanas. Cabe lembrar ainda que essas populações já deverão ser penalizadas pelas restrições aos gastos públicos desenhadas no novo arcabouço fiscal, também aprovado na semana passada.

Ou seja, além da crise social e ambiental, essas medidas engendram uma profunda crise política. E também geopolítica: uma das principais marcas do governo Lula é a recolocação do Brasil no cenário internacional a partir da diplomacia climática e ambiental, com a escolha do Brasil como sede da COP 30 em 2025, realização da Cúpula da OTCA no Brasil em agosto deste ano, candidatura brasileira à presidência do IPCC e a reativação do Fundo Amazônia.

Sabemos de todas as dificuldades que o governo Lula enfrenta após seis anos de destruição intensa da democracia e de ruptura do tecido social brasileiro. Sabemos que o Congresso é ainda mais reacionário e está muito empoderado após o governo de Bolsonaro. No entanto, o único jeito de não retroceder é avançar. Mesmo contando com a habilidade política do presidente Lula, não bastam as negociações interinstitucionais. A luta também precisa ser feita nas ruas, mostrando ao povo brasileiro que a classe dominante não tem o direito de destruir nem a natureza e nem os trabalhadores.

Não ao Marco Temporal!

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