Em seminário conjunto, MAB e Fiocruz debatem políticas de saúde para populações atingidas por barragens

Ao todo, existem 24 mil barragens construídas no país, que geram diversos quadros de doenças físicas e mentais entre os atingidos, desde os anúncios dos empreendimentos, até a construção, operação e ocasionais rompimentos

Seminário aconteceu na sede da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Foto: Gabrielle Sodré/MAB

Na manhã desta quarta-feira, 26, teve início o Seminário Nacional “Saúde, água, energia e ambiente – tecendo saberes na construção de territórios sustentáveis e saudáveis”. O evento – promovido pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), no Rio de Janeiro – reúne pesquisadores da área de saúde coletiva e atingidos por barragens de todas as regiões do país.

A proposta do seminário, que acontece até amanhã, 27, é debater os resultados de um estudo realizado pelas organizações sobre os impactos das barragens do país na saúde das comunidades. Para a construção do estudo, ao todo, os pesquisadores analisaram mais de 500 documentos entre relatórios, teses e artigos publicados sobre o tema das barragens construídas no Brasil, desde o ano de 1940 até 2022.

“Esse projeto faz uma sistematização das experiências do campo da saúde pública com relação às populações atingidas por barragens, considerando os diversos impactos socioambientais, desde o anúncio da construção das barragens, passando pelo período de construção – que também amplia o número de atingidos – como também a fase de operação e do convívio que essas comunidades têm com os fatores de risco. Além disso, consideramos as profundas alterações no metabolismo socioecológico provocadas pelas barragens”, explica Alexandre Pessoa, pesquisador que coordenou o estudo.

“Como parte desse projeto, a oficina com a participação de diversas lideranças do MAB é um momento oportuno para compartilhar essas experiências para que os atingidos, enquanto sujeitos desse processo, possam dar as suas contribuições, não no final do projeto de pesquisa, mas ao longo da produção”, complementa o pesquisador.  



Com esse objetivo, os atingidos participaram, durante o semminário, do debate sobre o tema junto com os pesquisadores, formulando propostas para a reparação dos danos causados em seus territórios a partir da construção de políticas públicas. “Nós não somos apenas objetos desse estudo, nós somos sujeitos, somos protagonistas”, afirmou Márcia de Almeida, atingida de Colatina (ES). 

O coordenador do MAB, Moisés Borges, destacou que o direito à saúde já foi citado como um dos direitos humanos violados durante as construções de barragens pelo Relatório da Comissão Especial “Atingidos por Barragens”, publicado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em 2010.

“Nesse mesmo período, o presidente Lula, em exercício na época, reconheceu que o estado brasileiro tem um passivo em relação aos atingidos por barragens. Com esse reconhecimento, precisamos construir políticas para reparar esse passivo. É por isso que estamos aqui, para contribuir com a construção dessas políticas”, declarou Moisés. 

Integrante da Coordenação de Saúde e Ambiente da Fiocruz, Guilherme Franco ressaltou que o seminário marca a consolidação de uma parceria entre a Fiocruz e o MAB. “Esse seminário é apenas uma pequena amostra do que temos construído juntos e do que vamos construir, porque temos a clareza do papel da Fiocruz e da sociedade na construção e na melhoria de condições de vida e de saúde dessas populações atingidas”, afirmou.

Já Hermano Castro, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, ressaltou que a realidade de violações hoje vivida pelos atingidos é consequência de um modelo econômico que agride a natureza de todas as formas. “A gente precisa repensar esse modelo. Precisamos trazer as pautas políticas e econômicas para o debate, porque tudo isso que a gente está falando tem a ver com mudanças climáticas. Tem a ver com políticas ambientais, com o clima, com geração de energia, porque o modelo de energia que estamos optando não é sustentável. E esse seminário pode apontar alguns caminhos para mudar essa realidade”.

Quem são os atingidos por barragens?

Em sua fala, Leonardo Maggi, integrante da coordenação nacional do MAB, apresentou o conceito de atingidos por barragens a partir da perspectiva do Movimento e fez uma análise histórica sobre o tema no contexto de diferentes períodos políticos do país. “Quando a gente se reconhece como atingido, isso denota a nós uma condição de reparação e gera um custo econômico para quem está construindo a barragem. Essa realidade cria um conflito, em que os atingidos sofrem opressões de diferentes formas”, declarou.

“Vale lembrar que as maiores barragens do Brasil foram construídas durante o período mais duro da ditadura militar: o AI 5. Nesse período, os atingidos não tinham condições de se manifestar ou de se organizar, muito menos de reivindicar seus direitos. 40% do parque hidrelétrico do país foi construído nesse período de grande repressão e violência do estado contra a população”, complementou Leonardo.

Uma das coordenadoras do estudo, a pesquisadora do Instituto René Rachou (IRR/Fiocruz), Priscila Neves, destaca que, mesmo antes das obras, os projetos de barragens já geram consequências no modo de vida das comunidades. “O estudo mostra que os impactos de uma barragem sobre a saúde da população afetam vários aspectos da vida muito antes da sua construção. Mesmo o anúncio do empreendimento já gera adoecimento”, afirma.

Nesse contexto, Maria José Sodré, atingida de Coribe, no Oeste da Bahia, falou sobre as consequências de uma luta que dura mais de 20 anos contra projetos de barragens em sua região.

“Mesmo que a gente não tenha nenhuma barragem na comunidade, a pressão sobre o nosso território tem provocado o adoecimento das pessoas, especialmente o adoecimento psicológico, porque a região já é tomada pelo agronegócio, pela monocultura e é cercada por esses projetos de hidrelétricas. Então, a gente sofre com o medo de perder nossas terras, nossas hortas, nosso meio de sobrevivência e sofre com o terror, porque vivemos inclusive a situação de atentados de pistoleiros contra moradores (relacionados à disputa pela terra)”.

Para além dos efeitos do modelo energético atual na vida dos moradores de territórios atingidos, o coordenador Leonardo avalia ainda que, de forma geral, as barragens promovem o aprofundamento das desigualdades sociais em todo o país. “Nos diferentes períodos que foram construídas, as barragens reforçaram a lógica excludente das populações ribeirinhas, que já são excluídas pelo modelo de desenvolvimento econômico do capitalismo, mas elas não são as únicas atingidas. Durante o período político de implementação da lógica neoliberal no país, grande parte das hidrelétricas foram privatizadas. Elas passaram para o controle de empresas transnacionais e houve um aumento do custo da energia muito significativo no país, impondo uma restrição no uso desse serviço essencial, então, toda a população brasileira passou a ser atingida por barragens”.

Acesse o resumo executivo do Estudo | https://bit.ly/3Nbeigs

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