Atingidos do Paraopeba reivindicam celeridade no processo reparatório das indenizações individuais em audiência com a 2ª Vara da Justiça de Minas

Durante sessão na Segunda Vara, atingidos relataram danos vividos há quatro anos, como falta de acesso à água potável, contaminação com metais pesados, inviabilização da agricultura e adoecimento da família

Audiência com o juiz Murilo de Abreu contou com participação dos atingidos e representantes do MAB, do Ministério Público de Minas Gerais, da Defensoria Pública do Estado e da Assessoria Técnica Guaicuy. Foto: Francisco Kelvim / MAB

Em audiência na 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, os atingidos da Bacia do Paraopeba relataram ao juiz Murilo Silvio de Abreu os principais danos que eles seguem sofrendo quatro anos após o rompimento da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho, como problemas de saúde física e psíquica, falta de acesso à água potável e a inviabilização de atividades produtivas no território. Na sessão, os representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), dos órgãos de justiça, das assessorias técnicas independentes e de outros movimentos enfatizaram que a falta de reparação provoca a “revitimização” dos atingidos pelo crime cometido pela Vale em 25 de janeiro de 2019. Na data, o rompimento provocou a morte de 272 pessoas e o derramamento de 12 milhões de metros cúbicos de rejeito na Bacia do Paraopeba.

Diante da situação relatada ao magistrado, os pressentes reivindicaram celeridade e comprometimento dos órgãos de justiça para que as pessoas atingidas tenham acesso à reparação integral, especialmente no que diz respeito ao direito à indenização individual e à centralidade das vítimas para a concepção, execução e avaliação dos programas de reparação que lhe dizem respeito.

Um dos principais objetivos da audiência era solicitar o andamento da petição das instituições de justiça sobre a questão da indenização individual. A petição requer que seja nomeada uma perícia para se identificar os danos sofridos por cada categoria de atingido (como pescadores, agricultores, ribeirinhos, entre outros) e os valores de indenização para esses danos. O documento também solicita a adoção do princípio de “inversão do ônus da prova” no caso. Ou seja, a Vale terá que comprovar que não causou os danos relatados pelos atingidos, ao invés das vítimas terem que reunir todas as provas. O último pedido da petição é para que as assessorias técnicas independentes, que já atuam no território, possam seguir trabalhando durante todo o processo da produção de provas e pagamentos de indenizações, sendo custeadas pela Vale.

Segundo Fernanda Portes, coordenadora do MAB, “estas medidas são fundamentais para se diminuir, no processo, a disparidade entre uma empresa, que é uma das maiores mineradoras de ferro do mundo, e os atingidos, que já viviam em uma situação de vulnerabilidade social, potencializada pelo crime”.

À espera da reparação

Atingidos foram “revitimizados” durante as enchentes de 2021, que trouxeram a lama de rejeitos de volta para dentro de suas casas. Foto: Joka Madruga

Todos os moradores presentes relataram a ocorrência de diversos problemas de saúde em suas comunidades após o crime, como doenças de pele, intoxicação com metais pesados e depressão, além de outros impactos específicos para cada tipo de comunidade ou profissão. 

A indígena Liderjane Kaxixó, do município de Martinho Campos, contou que três aldeias que dependem do Rio Pará estão sofrendo com a sobrepesca no rio, porque os pescadores do Paraopeba estão sendo forçados a migarem para a região. Ilza Ribeiro, de Brumadinho, falou sobre a reconfiguração da ocupação do município com as obras de mineração, a perda de laços afetivos entre antigos vizinhos, o luto pela morte dos amigos e a transformação da dinâmica cultural da cidade, que perdeu seu espaço de convivência à beira do rio. “A gente ia pra lá se juntar, fazer um pagode. O rio acabou. As pessoas que tocavam já morreram. Acabou tudo. A gente nem conhece mais as pessoas que moram na cidade”.

Os demais presentes também relataram sobre impactos na pesca e na agricultura, a falta de oportunidade de trabalho, o medo da contaminação por não terem informações confiáveis da mineradora, assim como o aumento da violência no território e a convivência diária com a insegurança hídrica e alimentar.

Em sua fala, a representante do Ministério Público de Minas Gerais, Shirley Machado, lembrou que as famílias que foram novamente atingidas pela lama da mineração durante as enchentes de 2021 precisam ser reparadas com urgência. “A reparação, ela tem que ser a mais integral possível. Precisamos avaliar todos os danos que ainda não foram contemplados no último acordo firmado em fevereiro. As consequências das enchentes do último ano, por exemplo, que trouxeram a lama da mineração de volta para as comunidades – como foi relatado aqui – aumentam os impactos já sofridos pelos moradores durante os últimos anos. Essa situação também precisa estar contemplada na reparação”, defendeu.

Nesse sentido, a defensora pública Carolina Morishita reforçou que a reparação integral precisa prever ações reais de recuperação socioambiental do território para evitar problemas como esse.

“A reparação socioambiental como vai ser feita? Esse processo pode ser uma referência na construção do que é a resolução de conflitos socioambientais no Brasil. Ele pode ser uma referência de reparação socioambiental pra esse país”, concluiu.  

Durante a audiência atingidos da Bacia do Paraopeba realizaram um ato em frente ao Fórum para pedir justiça. Foto: Francisco Kelvim

Depois de ouvir os relatos, o juiz Murilo de Abreu afirmou que quer ouvir mais vezes os principais afetados pelo crime para tentar ajudar a construir soluções mais eficientes para o caso. “O judiciário vai ouvir. Vai participar até onde é possível. Estou muito impactado com tantas informações e tanto sofrimento, mas preciso analisar tudo que ouvi para propor as soluções viáveis”, disse. No fim da reunião, ficou agendada uma nova audiência para o dia 28 de fevereiro, para que o magistrado possa dar resposta à petição ajuizada na Comarca.

Fernanda reforçou que, para o MAB, a impunidade é inaceitável. “Quatro anos após o crime, os atingidos seguem vivendo uma realidade de insegurança no território, sem perspectivas de futuro. Esperamos que a justiça dê andamento imediato ao processo de julgamento dos responsáveis pelo crime e que a reparação integral aconteça com e para atingidos e não para a empresa”. 

Enquanto acontecia a audiência, atingidos de diversos municípios da Bacia do Paraopeba realizaram um ato em frente ao Fórum para pedir justiça.

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