Só se vence o fascismo com luta antirracista

O Dia da Consciência Negra é uma data para denunciar a violência estrutural contra a população negra, mas também celebrar conquistas da luta, como a eleição de 26 parlamentares ligados à Coalizão Negra por Direitos

Aproxima-se mais um dia de celebrar a Consciência Negra, de fazer memória e reafirmar o caráter de luta desta celebração. Motivado a escrever algo para marcar este 20 de novembro, fiquei pensando em estatísticas que poderiam ser lembradas neste curto artigo. Os poucos caracteres disponíveis me impedem de detalhar dados encontrados nas recentes leituras feitas ou em encontros inspiradores, em que discutimos Lélia Gonzalez ou a conclusão da trilogia de Laurentino Gomes.

Pensando em um argumento simples, escolhi o básico: vou “dar um google” e buscar a última informação sobre como tratam pessoas negras no Brasil. A última notícia que o agregador nos traz confirma algo presente na paisagem brasileira desde o “descobrimento”: no último domingo, 13, mais uma vez, integrantes da Polícia Militar agrediram, agora em Planaltina, no Distrito Federal, o jovem Marcos Vinicius da Silva, de 27 anos. Ele era o único negro do grupo.

A abordagem racista apenas reforça um dado conhecido: é perigoso ser negro no Brasil. Esta é uma síntese básica, corriqueira e assustadoramente normalizada. O Atlas Da Violência de 2019 informa que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes negros foi de 29,2, enquanto a dos não negros foi de 11,2. Ser jovem e mulher negra no Brasil é correr risco de vida, na verdade, de morte permanente.

A violência estrutural contra pessoas negras é apenas parte do racismo que organiza a sociedade brasileira, que dá base a todos os preconceitos devidamente manipulados para os interesses mais concretos da dominação. Nem tudo, porém, é sangue derramado. Há lutas que não param e que alcançam conquistas.

A vitória de Lula com amplo apoio de negros e mulheres provou que ainda há reação organizada e que a barbárie não é aceita como regra geral. O Quilombo nos Parlamentos, iniciativa da Coalizão Negra por Direitos, elegeu 26 parlamentares nas eleições. Ao todo, as mais de 120 candidaturas em 24 unidades da federação obtiveram um total de 4.223.028 de votos. 

O desafio das urnas, porém, nos mostrou que a extrema direita está consolidada. O movimento neofascista no Brasil está vivo, com método, organização e referências e ocupou cargos importantes na Câmara dos Deputados, no Senado e em governos estaduais. Esse movimento é sustentado por uma sofisticada reafirmação racista que é própria substância deste movimento.

Precisamos comemorar nossa incrível vitória nesta eleição, mas também colocar todas as forças vivas para pautar a esquerda brasileira e o governo da aliança liderada por Lula, para ter o combate ao racismo como um pilar do novo mandato. Não apenas ter representações negras em cargos importantes, ou reabrir secretarias e ministérios. Isso é o básico. É reconhecer na complexa formação social brasileira a chave do que somos e aquilo alimenta o neofascismo em todas as suas dimensões. 

Não existe luta contra o fascismo e pela democracia sem luta estrutural contra o racismo. É uma exigência que nos coloca tarefas importantes e o governo Lula tem uma chance histórica de dar uma guinada e pautar uma transformação singular.

“É preciso estar atento e forte”, canta para nós a inesquecível Gal Costa, que nos deixou recentemente. Esta é a mensagem principal para mais este 20 de novembro. Atentos, organizados e cheio de esperanças na luta que constrói a verdadeira humanidade livre do racismo inspirados na letra e na voz do maior artista brasileiro, Milton Nascimento, um acontecimento na história, que fez sua última turnê:

“Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder? Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente é que sabe ter. Assim dizendo, a minha utopia eu vou levando a vida. Eu viver bem melhor. Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar.”

*Thiago Alves, é jornalista e militante do MAB em MG

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro

| Publicado 24/05/2021 por Thiago Alves / Coordenação nacional do MAB

O racismo no cotidiano dos atingidos e das atingidas

“Eu não sabia que era uma coisa… um monstro tão devorador, tão violento e na maioria das vezes ele te deixa sem ação, sem forças até mesmo para continuar”

| Publicado 20/11/2021 por Coletivo Nacional de Comunicação do MAB

Atos no Dia da Consciência Negra têm protestos contra Bolsonaro em todo o país

Movimento dos Atingidos por Barragens participa de marchas que marcam o dia da morte de Zumbi dos Palmares e da luta antirracista no Brasil

| Publicado 03/08/2021 por Camilla Brito e Layram Souza

A história cantada pela Capoeira

A capoeira representa a resistência das pessoas escravizadas à bruta violência a que elas eram submetidos em tempos coloniais e imperiais no Brasil. Desde 2014, ela foi declarada patrimônio imaterial da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).