Carta do II Encontro dos Atingidos e Atingidas da Amazônia: Enraizando Resistências em Defesa da Vida e da Soberania

Leia Carta elaborada por atingidos e atingidas da Amazônia reunidos em 2° encontro em Belém (PA)

Mesa de abertura do II Encontro dos atingidos e atingidas, que iniciou no dia 27, participaram ao todo cerca de 250 atingidos dos 9 estados da Amazônia. Foto: Gabrielle Sodré

O mundo atravessa uma profunda crise do sistema capitalista. Em meio a ondas de calor, enchentes e outros eventos extremos, não é mais possível negar que o capitalismo nos levou ao aquecimento global e à miséria da maioria. A pandemia emerge como um sintoma dessa crise e agrava ainda mais o quadro geral. As desigualdades se ampliaram em uma escala inédita: os dez homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas, enquanto mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza.

Nos próximos anos, o prolongamento da crise deve levar o mundo a uma corrida por territórios de base natural vantajosa, acirrando conflitos e desencadeando guerras. A saída do capital é intensificar o processo de acumulação por expropriação, no qual os bens comuns são roubados dos povos e convertidos em mercadorias. A América Latina está no foco dessa disputa, em especial a Amazônia.

A maior floresta tropical do mundo e maior bacia hidrográfica, com a maior concentração de matéria viva do planeta, está em risco! São muitos os interesses voltados para a imensa região, compartilhada por nove países da América Latina, e que ocupa metade do território brasileiro. A Amazônia é e será central para qualquer saída para a crise climática que vivemos. Das burguesias não se pode esperar nenhum progresso, estes, a única coisa que querem é a mercantilização e a destruição da Amazônia.

Historicamente, somos alvo de projetos pensados de cima, de fora e para fora, que nunca trouxeram verdadeiro desenvolvimento para a região, pelo contrário. Da enorme riqueza extraída, tudo é exportado – não fica nada para os amazônidas. Ainda assim, nunca na história da Amazônia se extraiu tanta riqueza, num ritmo tão intenso quanto hoje. Estamos vivenciando um processo sem precedentes de destruição da floresta, que converte seus povos em pobres. A região Norte concentra o maior índice de fome do país, a cada quatro famílias, uma passa fome.

Com Bolsonaro no Planalto, a situação é ainda mais grave. Seu governo é expressão de setores da burguesia, ligados ao latifúndio, à mineração e ao crime organizado, cujo objetivo é destruir a política ambiental e de proteção da floresta arduamente conquistada. Esse quadro tornou a Amazônia a região do mundo que mais concentra assassinatos de lideranças e defensores ambientais. Além disso, desde o golpe de 2016, o desmatamento vem crescendo na região, mas com Bolsonaro o ritmo se acelerou, atingindo o maior índice de 10 anos em 2021, com mais de 10 mil quilômetros de mata nativa destruídos. O governo Bolsonaro mata e desmata!

Diante desse quadro, não podemos vacilar: Eleger Lula presidente é a nossa tarefa imediata. Nosso compromisso é garantir sua vitória nas eleições, resistir às forças golpistas e pressionar por uma agenda de direitos e soberania. Para isso, construiremos as brigadas de agitação e propaganda Lula Presidente nas capitais e grandes cidades da Amazônia e do Brasil.

Os povos originários da Amazônia nos ensinam que é possível conviver com a floresta. Foi assim por pelo menos 11 mil anos, ou seja a maior parte da história. Entretanto nos últimos 400 anos, a invasão europeia significou um processo de genocídio ao qual até hoje esses povos estão resistindo. A estes, se somam novos sujeitos, frutos da contradição da exploração, para os quais a floresta significou a liberdade. Hoje, esse povo amazônida diverso é composto por indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, seringueiros, extrativistas e trabalhadores urbanos.

Nós, atingidos e atingidas, temos nossa identidade profundamente marcada pelos grandes rios da Amazônia. Vivemos no rio Madeira, Jamari, Machado, Uatuamã, Juruena, Teles Pires, Tapajós, Xingu, Araguaia, Tocantins, Branco, Araguari e Guamá. Assim como nossos rios confluem para o Amazonas e desaguam no oceano, nós confluímos para construção do Movimento seguindo uma estratégia comum, um método organizativo adequado e orientados por um projeto de superação do capitalismo.

Com esse horizonte, nos reunimos entre os dias 27 e 28 de julho de 2022 no 2º Encontro dos Atingidos e Atingidas da Amazônia e nos somamos à construção do 10º Fórum Social Pan-Amazônico, em Belém do Pará, no campus da Universidade Federal do Pará. Alimentados pela mística da revolução Cabana, somamos mais de 300 militantes dos 9 estados da Amazônia brasileira e organizações parceiras para denunciar os ataques à Amazônia e afirmar a solidariedade, a força e a esperança.

Acreditamos que os 20 milhões de brasileiros e brasileiras que vivem aqui devem ser protagonistas da construção do projeto que queremos para a Amazônia, com outra economia, outro desenvolvimento, que respeite seus povos e priorize a vida. Mas não atuamos na região de forma isolada e sim nos somamos à construção de um projeto de país. Nada esperamos da classe dominante: a burguesia, pelo seu caráter dependente, já se mostrou incapaz de pensar em um projeto soberano e próspero. Portanto, ele tem que ser construído pelos trabalhadores e trabalhadoras, pelos explorados e exploradas. Somos todos atingidos por esse sistema e devemos juntos combatê-lo e construir o novo.

Somos a Amazônia que vive e resiste!

Belém, capital cabana, verão de 2022

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