Lobby empresarial: texto-base do PL do Licenciamento Ambiental é aprovado na Câmara

Para oposição, medida representa a destruição do meio ambiente e coloca em risco populações indígenas e quilombolas

Com aprovação na Câmara, PL segue para o Senado e gera preocupação – Lilo Clareto/ISA/Direitos reservados.

A Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do projeto de lei (PL) 3729/2004. Apelidado de “Projeto de não-licenciamento”, o PL tem como objeto a criação de uma Lei Geral para o Licenciamento Ambiental no Brasil. Os destaques apresentados pelos partidos devem ser analisados nesta quinta-feira (13), antes de o PL seguir para o Senado.

O texto aprovado é um substitutivo do deputado Neri Geller (PP-MT) e retira a exigência de licenciamento ambiental para obras de saneamento básico, de manutenção em estradas e portos, de distribuição de energia elétrica com baixa tensão. Também não precisarão de licença obras que sejam consideradas de porte insignificante pela autoridade licenciadora ou que não estejam listadas entre aquelas para as quais será exigido licenciamento.

O PL também prevê a criação de licença única para simplificar o procedimento e permite a junção de licenças prévias com a de instalação, por exemplo.

Mas o texto vai contra a Constituição Federal Brasileira, que garante a qualidade de vida por meio de um ambiente equilibrado – “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” – e impõe “ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Essa é a visão do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

“Tem que passar por um licenciamento, tem que ser controlado, tem que ser regulado pra que o interesse privado não passe por cima do interesse que é de todos. O licenciamento é importante porque é a principal ferramenta da Política Nacional de Meio Ambiente. E é, também, a ferramenta que controla a degradação ambiental, que monitora as atividades econômicas para que, no caso de ocorrer algum impacto ambiental, esse empreendedor possa ser responsabilizado e possa reparar o mal feito as outras pessoas ou a coletividade”, explica João Marcos Rodrigues Dutra, coordenação nacional do MAB. 

Nilto Tatto, deputado federal pelo PT e membro titular da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, explica que os impactos do texto aprovado devem atingir todo o país.

“Nós vamos ter aumento de desmatamento, aumento de queimada, aumento de violência no campo, em especial onde há disputa de terras por parte dos povos indígenas, quilombolas e populações extrativistas. E com consequências econômicas inclusive para o país, porque o tema ambiental é um tema global.”

“Chama atenção, também, os interesses internacionais, em especial dos fundos de investimentos de outros países que sofrem pressão da população local e, portanto, também é um tiro no pé, inclusive para os setores produtivos no Brasil que podem perder mercado na medida em que a questão ambiental é cada vez mais sensível do ponto de vista global”, completa o deputado. 

Lucros e custos sociais

O coordenador nacional do MAB pontua que, se aprovado no Senado, o PL irá criar uma cultura de não-responsabilização. “À medida que você diminui o rigor técnico você diminui a possibilidade de realizar bons estudos, bons levantamentos para identificar os impactos, para identificar os atingidos”. 

“Fica mais fácil para que os empreendimentos possam ser aprovados da forma como o empreendedor deseja. E essa análise de impactos, essa identificação dos atingidos, das externalidades da atividade econômica, gera custos pro empreendedor, né? Porque o empreendedor, por exemplo, que constrói uma hidrelétrica, ele tá usando um bem público, um bem da União e em sua atividade, ele tem que reparar os danos que são causados. E esses danos geram custos, né? Então eles buscam a maximização dos lucros a partir da redução ou da invisibilização dos custos sociais e ambientais, porque existem aspectos do licenciamento ambiental que precisam ser melhorados”, finaliza.

Segundo o MAB, o projeto desconsidera os diversos alertas de entidades científicas e da sociedade civil organizada, apresentando um leque de “brechas” que facilitam o licenciamento de empreendimentos com potencial de provocarem grandes impactos socioambientais e reduz a proteção e o reconhecimento de populações atingidas.

Pé no acelerador

O projeto tira a necessidade de fazer licenciamento ambiental de treze atividades econômicas, explica Tatto, que compõem a bancada de oposição na Câmara dos Deputados.

“Na prática isso quer dizer que qualquer empreendimento na área agropecuária, independentemente do local e dos possíveis impactos e riscos que possam causar, não precisa mais de licenciamento. Por exemplo, a construção de um linhão que venha a atravessar uma terra indígena que não tá demarcada ainda, ou um território quilombola que ainda não-titulado, não precisará fazer consulta a essas comunidades e nem licenciamento”.

As implicações no dia a dia podem ser degradantes para o meio ambiente e para as comunidades locais, explica o deputado. Um outro exemplo citado por ele é sobre a criação de estradas ilegais para o roubo de madeira.

“O asfaltamento de uma estrada aberta por madeireiro que entrou em determinada área, abriu estrada para, por exemplo, o roubo de madeira. E depois, com o tempo, aquela estrada já está aberta e se você for fazer asfaltamento dela, também não precisa mais de licenciamento”, ilustra o deputado federal. 

Segundo o deputado, o PL joga para os estados a definição dessas políticas. “Você vai ter uma corrida para ver qual estado que vai ter na legislação mais flexível para poder atrair investimento, mais ou menos o que ocorre hoje na disputa pra ver quem dá uma taxação de ICMS, né? Para os produtos”, explica. 

Para o parlamentar, barrar este projeto é importante porque pode afetar os brasileiros em todos os âmbitos. Usando o caso da Boate Kiss e dos rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho, Tatto explica que sem o licenciamento, não há como fiscalizar e responsabilizar. 

“Você não terá como responsabilizar o proprietário, nem o órgão público ou o agente público que que deu autorização”


João Marcos Rodrigues Dutra, coordenador nacional do MAB, finaliza afirmando que o PL ameaça as florestas, a Amazônia, o equilíbrio climático, os rios, os povos, a vida em toda as suas formas e que precisa ser impedido de qualquer maneira pelos brasileiros que querem viver em um país mais justo e soberano.

“Em resumo, o projeto se omite em relação ao que deveria avançar e ataca aquilo que pode ser considerado obstáculo e ampliar os custos dos projetos na visão dos empreendedores. A aprovação do PL 3729 nos moldes apresentados implicará no desmantelamento do licenciamento ambiental no Brasil, permitirá o aprofundamento das graves violações de direitos humanos que ocorrem sistematicamente na implementação de grandes obras de infraestrutura, tornará ainda mais contundente o violento processo de desterritorialização dos povos da floresta, campos e águas, mas também afetará profundamente a vida de todos que vivem nas cidades, devido ao grande aumento da degradação ambiental que será propiciado”. 

Edição: Rodrigo Chagas

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