Rompimento da barragem da CASAN em Florianópolis: 2 meses sem reparação

Empresa não cumpre acordos firmados com atingidos referentes a atendimentos básicos imediatos e pagamentos às famílias que perderam tudo após o evento

 

Foto: MAB-SC

Na madrugada de 25 de janeiro, uma barragem na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, rompeu. O evento ocorreu dois anos após o rompimento da barragem no córrego do Feijão em Minas Gerais, que atingiu Brumadinho e toda a região da Bacia do Rio Paraopeba.  

O rompimento foi consequência do “deslizamento de lagoa artificial de infiltração que recebe efluente tratado da Estação de Tratamento de Esgotos da Lagoa da Conceição”, segundo informações do site da CASAN.

De acordo com a empresa, o caso foi um acidente, resultado do excesso de chuvas no período na região. No entanto, moradores relatam que entraram em contato com a empresa sobre vazamentos que estava ocorrendo mesmo antes do rompimento total. Dois dias antes do rompimento da barragem, técnicos visitaram o local, mas providências não foram tomadas.

A barragem não tinha nenhuma medida de segurança. Muitos moradores sequer sabiam de sua existência e não tinham informações sobre o que fazer em caso de rompimento. Hoje a barragem está sendo reconstruída, e nenhuma medida efetiva de segurança das famílias atingidas está sendo tomada.

“Eu não estava no momento do acontecido, estava no sul da ilha. Fui acordada com o toque do telefone e era uma chamada de um número desconhecido. Meu pai estava muito nervoso, e tinha dito que a água entrou na casa, que ele e minha mãe conseguiram escapar pelas dunas só com a roupa do corpo. Segundo ele, nós tínhamos perdido tudo. A TV ainda não estava transmitindo nada e eu vim direto para a lagoa achando que tinha sido o excesso de chuvas. Quando cheguei aqui tive a dimensão do que realmente aconteceu. A avenida das Rendeiras estava trancada, tinha a presença de policiais e bombeiros fazendo o resgate das pessoas. Meus pais estavam com roupas doadas por vizinhos e chorando muito. Não sabíamos onde estavam os nossos vizinhos, se estavam salvos. Eu só fui entender tudo o que aconteceu quando entrei na minha casa, no terceiro dia, quando drenaram a água toda de lá. Tudo o que a gente tinha conquistado ao longo da vida tinha se perdido em alguns minutos, por uma camada de “lama” fedida. O mais difícil foi ver fotos, documentos e pertences familiares a metros de distância da nossa casa.” relata Thaliny Moraes, moradora e atingida pelo rompimento da barragem.

Como é a postura da empresa nas negociações?

Na primeira semana, logo após o rompimento, a empresa lançou um edital de credenciamento bastante insuficiente, e sem participação das famílias. Por meio da mobilização coletiva, em reuniões realizadas com a empresa através de representação das famílias escolhida em assembleia e com pontos de pauta elencados coletivamente, os moradores da Servidão Manoel Luiz Duarte conseguiram avanços em parâmetros mais justos de reparação, com a retificação deste edital no dia 23 de fevereiro. Também, foi conquistada uma verba de manutenção emergencial de um salário-mínimo regional por adulto, meio por adolescente e um quarto por criança.

No entanto, mais de 40 pessoas atingidas aguardam a correção do relatório da Defesa Civil para que possam dar entrada neste edital (referente à verba de manutenção emergencial) e no edital de reparação das perdas materiais.

Os acordos coletivos assinados pela CASAN em reunião com os atingidos, referentes a apoio médico, psicológico, veterinário e disponibilização de vigilante na rua estão sendo cotidianamente descumpridos. A empresa também se nega a realizar pagamentos periódicos para as famílias que perderam seu modo de sustento. Em reuniões intermediadas pela Comissão temporária da Câmara Municipal de Florianópolis, foi acordado que o pagamento de lucros cessantes (a renda das famílias, perdida por consequência do rompimento) não estaria condicionado à conclusão do processo completo de danos materiais.

Com o descumprimento do acordo, a empresa força as famílias a assinarem um “termo de quitação geral” para que possam receber sua renda. Os danos por consequência do rompimento ainda estão sendo avaliados. Por isso, assinar um documento nestes termos relacionados aos danos materiais, pela pressa de receber a renda perdida, pode resultar em perdas consideráveis do patrimônio construído ao longo de uma vida inteira por estas famílias.

Muitas famílias, passados dois meses do maior crime socioambiental da capital catarinense, ainda não receberam um centavo sequer. As pessoas que estão em hospedagens temporárias, receberam uma ameaça de despejo no dia 10 de março (retificada no dia anterior devido à pressão da comunidade). Além disso, a data final das moradias temporárias se aproxima  (31 de março), sem definição sobre o processo de reparação.

É fundamental pontuar que não existe reparação integral sem participação dos atingidos. As famílias estão tendo que dispender tempo e gastar suas reservas financeiras para dar conta de realizar todos os procedimentos exigidos no edital. Isso tudo sem auxílio de equipe técnica, nem custeio de profissionais para ajudarem na elaboração dos inventários. A participação no processo de reparação é um direito, e a empresa precisa garantir as condições para que isso seja possível.

No dia 8 de maço, as famílias organizadas protocolaram na CASAN, um requerimento, assinado por mais de 70 moradores. Este documento tem uma série de reinvindicações coletivas já acordadas com a empresa, que estão sendo descumpridas, além de outras demandas negadas.

No requerimento os atingidos também pedem uma reunião com a empresa. Já passaram mais de 15 dias, e a CASAN ainda não ofereceu resposta, nem entrou em contato para responder a solicitação de reunião feita pelos moradores.

Foto: MAB-SC

“Infelizmente, a CASAN não tem sido prestativa com os atingidos. A companhia se recusou a ouvir as demandas coletivas num primeiro momento, virou as costas para as famílias atingidas e apenas aceitou sentar-se com representantes dos atingidos após a intervenção da Câmara de vereadores. Mesmo assim, após algumas reuniões com a comissão de atingidos, diversas pautas não foram atendidas pela CASAN e as famílias seguem com várias reivindicações pendentes como garantias de participação efetiva dos atingidos no processo administrativo, necessidade de adiantamento financeiro por parte dos moradores nas obras, todo trabalho logístico de realizar compras e fazer orçamentos está a cargo dos atingidos, entre outras pautas negadas pela CASAN.” explica Rodrigo Timm, advogado popular que acompanha o processo de negociação coletiva.

A luta continua

As famílias atingidas pela barragem da CASAN em Florianópolis seguem em luta pela reparação integral de seus direitos e pela participação no processo. Ainda existem muitas demandas a serem atendidas, muitos direitos ainda negados, e muito caminho para trilhar.

Foto: MAB-SC

Este caso torna evidente a necessidade urgente da criação de uma Política Estadual dos Direitos das Famílias atingidas por barragens, que garanta critérios justos e isonômicos de reparação de direitos. Casos como estes, são historicamente recorrentes no Estado de Santa Catarina e em todo o território Nacional.

Além disso, é necessária também uma Política Estadual de Segurança de Barragens. Não é possível que as pessoas que morem próximas a este tipo de empreendimento, vivam com a insegurança constante da ausência de informações e planos de contingência efetivos, com sirenes e planos de evacuação.

Nós do MAB seguimos vigilantes. Nos solidarizamos com as famílias atingidas por este crime socioambiental deste a primeira semana após o rompimento, e seguiremos lutando lado a lado com as pessoas afetadas.  

Sem participação não existe reparação! Reparação Integral Já!

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