Injustiça na bacia do Rio Doce: 5 anos de não reparação aos atingidos; leia a nota do MAB

Somos as vítimas de um crime bárbaro que está longe de uma correta solução, mas somos também um povo em luta disposto a lutar e colocar a vida acima do lucro

O crime da Samarco, Vale, BHP Billiton destruiu cerca de 670 km de extensão do Rio Doce e parte do litoral do estado do Espirito Santo há cinco anos. Por volta de 500 mil pessoas foram atingidas com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, e seguem sem direitos e reparação. As pessoas perderam as casas, o trabalho e renda, acesso à água, e tiveram a saúde deteriorada. Muitas vidas foram destruídas.

Foto: Vinicius Denadai

Centenas de famílias seguem ainda morando em casas alugadas porque, passados cinco anos, a empresa não reassentou e nem aceitou reparar as famílias com novas moradias e locais de trabalho adequados.

O sistema de Justiça e as estruturas de Estado estão cada vez mais capturados e dominados, atuando como serviçais das empresas internacionais que dominam a região.

O Movimento dos Atingidos por Barragens, nesta data, denuncia que a Vale está com a “(in)justiça” nas mãos. Injustiça porque são cinco anos sem reparação adequada dos direitos das famílias que foram atingidas ao longo da bacia do rio Doce e litoral capixaba. Injustiça porque o judiciário está nas mãos das mineradoras, agindo contra o povo atingido para proteger os extraordinários lucros do grande capital.

Apesar da gravidade da situação, chegamos a meia década sem reparação dos direitos dos atingidos. A impunidade é evidente. Na região, o lucro foi colocado acima da vida. O crime se “renova” cotidianamente nos locais por onde passa a lama de injustiças.

Não há mais saúde adequada entre as vítimas. No caso das mulheres, os estudos têm revelado que elas não estão sendo reconhecidas como atingidas, pelo formato dos cadastros, e, assim, são registrados aumentos de doenças reprodutivas, violência doméstica, alcoolismo, como efeitos colaterais dos danos e a desestruturação do trabalho nas comunidades.

A lama trouxe a perda dos locais de trabalho e renda. Setores como a pesca foram completamente afetados. Até hoje não há qualquer programa em andamento de reestruturação produtiva e econômica para as famílias. Pelo contrário, as que recebem auxílio emergencial se tornaram dependentes, não havendo por parte das empresas nenhuma política de transição, apenas anualmente a ameaça de corte.

Muitas indenizações foram pagas de forma insuficiente, o dinheiro não resolveu problemas de postos e locais de trabalho e nem de moradia. Em suma, o crime empobreceu as famílias e aprofundou sua dependência.

Enquanto os direitos são negados, no último trimestre de 2020, a Vale dobrou seus lucros, que foram anunciados no patamar de R$ 15 bilhões. Apesar do lucro extraordinário, a empresa não permitiu finalizar nenhum dos três reassentamentos que se comprometeu, e nem atendeu as 10 comunidades que reivindicam direito à moradia ou cumpriu com os acordos pactuados com governos e instituições de justiça.

Uma nova guerra de laudos, periciais, negociações é posta em campo, sob uma complexa arquitetura corporativa de artimanhas de dominação e manipulação.

Em março de 2016, governos e empresas anunciaram um grande “acordão” de gabinete, sem participação dos atingidos, que estimava gastar cerca de R$ 20 bilhões em soluções. Nesse acordo, os estados transferiram sua responsabilidade na gestão do crime para uma Fundação Privada, criada, organizada e gestada pelas empresas proprietárias da Samarco, a Fundação Renova.

Passada meia década, a Renova não foi capaz de concluir nem o programa prévio inicial do cadastramento das famílias. Se revelou um mecanismo de proteção do lucro da Samarco, Vale e BHP Billiton, além de um instrumento para capturar e dominar estruturas estratégicas de governos e do Estado e para violar e impedir a correta solução dos direitos dos atingidos por barragens.

Boa parte dos fundos usados, estimados em R$ 10 bilhões pela Fundação, são destinados à propaganda enganosa, notícias falsas, cooptação, desorganização do povo, manipulação e negação de direitos às vítimas do crime da Samarco.

Dos cerca de 95 mil cadastros e solicitações, apenas 19 mil pessoas recebem o auxílio financeiro emergencial, mesmo com a pesca e agricultura comprometidas em muitas partes da bacia até os dias atuais.

Com parcela estratégica do judiciário nas mãos, o conflito a cada ano se tornou mais judicializado. O poder decisório se concentrou nas mãos de um juiz federal, que atua como agente serviçal da empresa criminosa, que age para defender a empresa e manipular as famílias atingidas. Até hoje, não houve nenhuma responsabilização penal pela morte das 19 pessoas, ou mesmo pelos demais crimes. As multas devidas tanto pelos danos ambientais como pela morosidade da Renova não são pagas e nem solucionadas.

 A desigualdade de poderes entre atingidos e empresas se aprofunda a cada dia. Meia década, e pouca coisa foi resolvida na vida dos atingidos. A Fundação Renova aposta na tática da divisão do povo e na morosidade da solução.

As pessoas já não têm tempo para esperar uma adequada reparação integral e ficam vulneráveis com acordos desiguais para poder sobreviver em um território que a empresa domina as estruturas de decisões por meio de um complexo esquema de cooptação de lideranças, captura corporativo de governos e do próprio sistema de justiça.

As empresas montaram um poderoso esquema de dominação que privilegia os privilegiados e penaliza as pessoas que foram atingidas pelo crime da Samarco.

O que os crimes em Brumadinho, Mariana, Congonhas, Ouro Preto, Macacos, e tantos outros territórios, nos mostra que os rompimentos de barragem não são uma fatalidade, um acaso, são intrínsecos ao modelo perverso de exploração de minérios no Brasil.

Apesar de toda injustiça, atingidos e atingidas de toda a bacia resistem e reafirmam o compromisso de seguir a lutar até resolução de todos os problemas que a Samarco, a Fundação Renova, a Vale, a BHP Billiton e seus acionistas causaram e vem causando ao povo dessa região.

Somos as vítimas de um crime bárbaro que está longe de uma correta solução, mas somos também um povo em luta disposto a lutar e colocar a vida acima do lucro. Não conseguirão calar o poder do povo atingido. De cabeça erguida, seguiremos nos organizando e mobilizando, em mais um ano, para denunciar a violência das grandes corporações, a impunidade, a cumplicidade dos governos, dos falsos profetas e representantes de plantão.  

Anunciamos aqui, como atingidos e atingidas da bacia do Rio Doce e litoral capixaba, que seguiremos em marcha, em luta, por mais diversas décadas. Até que nossa região deixe de sofrer da “maldição da abundância” de água, minerais, terra, petróleo. Até que nossas riquezas sejam partilhadas entre nós, povo brasileiro, para que nenhuma criança nossa acorde sem saber se terá comida ou educação, até que sejamos uma pátria soberana, independente e de controle popular capaz de garantir todos os direitos e reparações plenas a todos e todas.

Água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular!

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