Agricultores e piscicultores procuram outros trabalhos para garantir renda afetada pelo crime da Vale

Na bacia do rio Paraopeba, pequenos agricultores se viram como pode para sobreviver em meio as consequências do rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão

Terreno de Rogério Rezende, sem plantação por falta de água. Foto: Rogério Rezende

O caminhão que transportava verduras rumo ao Centro de Abastecimento de Alimentos-Ceasa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, hoje faz transporte de móveis e outros objetos. O dono do caminhão é o Rogério Rezende, agricultor em Juatuba, cidade atingida pelo crime da Vale e que, com a água do rio Paraopeba imprópria para uso, não pode mais se dedicar a plantação de verduras em seu terreno. 

“Estou produzindo pouco. Mesmo com uma bomba no córrego perto da plantação, não é suficiente para manter a horta. Hoje preciso fazer carretos para manter a renda que tinha antes. A mineradora Vale até furou um poço artesiano, mas ainda não foi ativado. Com um processo bem lento, cada mês uma equipe faz um procedimento, mas insuficiente para manter a horta”, relata com tristeza Rogério Rezende. 

A realidade de centenas de agricultores na bacia do rio Paraopeba é semelhante à de Rogério. O rompimento da barragem da Vale, em 25 de janeiro de 2019, despejou cerca de 12 milhões de toneladas de rejeito de minério de ferro no rio, o que ocasionou a interrupção da água bruta que era captada diretamente do afluente.  

No bairro Fhemig, em São Joaquim de Bicas, a água potável fornecida pela Vale é insuficiente para todos os dezessete produtores, impedindo a germinação das sementes e o bom desenvolvimento dos alimentos. A água possui cloro e é imprópria para plantações, causando prejuízo na renda dos pequenos agricultores que enfrentam dificuldades em receber o auxílio emergencial. 

“A Vale brinca com os atingidos. Com aquela determinação do juiz, que quem recebe abastecimento de água tem 100% do auxílio emergencial, no nosso bairro não acontece. Muitos recebem somente metade e isso dificulta a sobrevivência. Além disso a água mineral está sendo cortada. É uma falta de respeito com os atingidos”, denuncia Vera Lúcia, representante dos agricultores no bairro.

Piscicultura 

A vida do casal de piscicultores, Aberto Ramos e Vânia Martins, moradores da cidade de Mário Campos, é semelhante à dos agricultores. Desde o rompimento da barragem a produção caiu junto com as vendas. A proximidade dos tanques ao rio Paraopeba criou desconfiança nos consumidores devido ao medo da contaminação por metais pesados. 

“A maior parte das pessoas não compram mais os peixes, por medo da contaminação pela proximidade com o rio” conta a piscicultora Vânia Ramos. Além do desafio de manter a venda dos peixes e vencer toda desconfiança dos clientes, os piscicultores não têm água adequada para manter os poços. 

De acordo com os criadores de tilápias, assim como a queixa dos agricultores, a água potável fornecida pela Vale contém cloro e não é ideal para o cultivo.

“Antes mantínhamos os tanques com água do rio, agora a água fornecida pela Vale possui cloro e pouco oxigênio, isso causa a morte dos peixes e nós perdemos mais ainda com a produção” explica Alberto Ramos.

Peixes mortos no tanque dos piscicultores, em Mário Campos. Foto: Alberto Ramos

Dentre os três tanques que suportavam cerca de dois mil animais cada, foi preciso diminuir de forma drástica a quantidade de peixes já que não conseguem mais escoar a produção. “Eu precisei abandonar o sonho de uma vida tranquila e voltar a trabalhar com carteira assinada. O emprego é para ajudar na renda e conseguir sustentar minha família”, conclui Alberto.  

Ineficiência Vale 

Em meio aos danos e perdas na agricultura, a Vale nega reconhecimento aos agricultores atingidos e recusa as indenizações e demais medidas de reparação. Dessa forma a situação dos agricultores na bacia do Paraopeba se aprofunda em dificuldades produtivas pela inviabilidade do uso da água do rio e comerciais por risco de contaminação que impede a compra e venda dos produtos.

“Os desdobramentos do crime da Vale se materializam na vida dos agricultores em dívidas uma vez que, impedidos de produzir e comercializar, as parcelas dos financiamentos e débitos com insumos produtivos se acumulam e eleva a vulnerabilidade do setor”, pontua o membro da coordenação nacional do MAB, Jefferson Macena.

Destruição de sonhos

O desastre-crime da Vale ceifou vidas, meio ambiente e sonhos de trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar que optaram por viver e produzir nas margens do rio Paraopeba. Perda da renda, morte do rio e a destruição dos sonhos vêm ameaçando a capacidade dos atingidos e atingidas de retomarem os rumos de suas vidas. 

Os trabalhadores estão desmotivados pela interrupção do ciclo do processo produtivo. “Foram feitos investimentos. Gasto com trator para arar e gradear a terra e plantar, só que os milhos não desenvolveram. Por isso desmotiva a plantar” relata a moradora de São Joaquim de Bicas, Vera Lúcia.   

Para o MAB, os grandes empreendimentos destroem os projetos de vida das populações. No caso do rompimento de barragens e da contaminação dos rios com rejeito de minério, os atingidos perdem direitos como o acesso a água, direito de ir e vir, perda de trabalho e renda, doenças e a destruições do modo de vida. 

“É necessário que ocorra uma reparação integral dos danos com a participação dos atingidos para que as pessoas consigam retomar os projetos de vida da mesma forma que era antes e até melhor. A Assessoria Técnica escolhida pelos atingidos vai possibilitar que sejam feitos os levantamentos dos danos de forma técnica” relata Jefferson, sobre o início do processo de reparação. 

Plantação de milho abandonada, porque não houve produção. Foto: Vera Lúcia

Assessoria técnica

A Assessoria Técnica na bacia do rio Paraopeba foi uma das conquistas coletivas da luta dos atingidos. A Assessoria irá fazer, junto aos atingidos, um levantamento técnico dos danos decorrentes do rompimento da barragem para que os atingidos tenham respaldo técnico para apontar quais as medidas de reparação. 

“A esperança é a Assessoria Técnica. No momento sabemos da pandemia e que ela não pode estar em campo, porque é necessário que ela esteja aqui para olhar, avaliar, e assim a gente lutar para a Vale nos ressarcir e dar nossos direitos”, afirma Vera.

Para o MAB, as Assessorias Técnicas são fundamentais para a garantia dos direitos dos atingidos. Ter um instrumento de confiança e competência técnica é necessário para a condução justa na produção das comprovações exigidas nos processos judiciais. Além disso elas possibilitam a participação informada, compreendendo o protagonismo dos atingidos na condução de todo o processo.

“A Vale destruiu nossa tranquilidade e sustento. Por onde a lama passou, levou uma parte da história e vida de muitas pessoas. Com isso vieram muitos problemas que são invisibilizados. Precisamos ser ouvidos, lutamos muito para isso e entendemos que, com a Assessoria Técnica, o trabalho será para entender e buscar soluções com os atingidos dos problemas que a Vale deixou”, conclui Vânia Ramos. 

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