Crime em Mariana: até quando persistirá a injustiça?

A tragédia do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, completou quatro anos.

Com o rompimento, foram despejados mais de 48 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, atingindo 43 municípios, matando 19 pessoas, provocando um aborto, e causando a destruição de toda a extensão dos mais de 680 quilômetros do Rio Doce, um dos principais do país. Às suas margens, dois mil hectares de vegetação e outros 170 quilômetros de costa atlântica, no estado Espírito Santo, foram atingidos.

As três companhias responsáveis pelo crime, Samarco, Vale e BHP Billiton, foram alvo de duas ações judiciais que previam altos volumes de recursos financeiros para reparação dos danos na região atingida. A primeira, movida pelo Estado, que é chamada de “acórdão”, foi realizada quatro meses após o rompimento da barragem e previu um montante de R$ 20 bilhões a serem investidos no prazo de 15 anos em iniciativas de reparações e recuperação do Rio Doce.

O Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) criou um arranjo institucional para operar ações em toda bacia do Rio Doce e litoral capixaba e um “modelo de solução” das “reparações e compensações” absolutamente controlado pela Samarco, Vale e BHP Billiton. Em outras palavras, foi criado um “modelo de governança” que visou proteger as empresas de terem grandes gastos com indenizações, permitiu a garantia do pleno controle sobre as ações de reparação e ofereceu condições para que elas próprias tivessem o controle de todo território atingido.

O acórdão autorizou ainda a criação de uma “organização autônoma”, 100% dedicada às atividades de “reparação e compensação” com “total autonomia”. A Fundação Renova, principal agente operador das ações de reparação, teria como missão implantar e gerir 42 programas socioeconômicos e socioambientais na região atingida, contemplando ações de contenção, reparação, recuperação e compensação.

Embora se apresente como uma organização autônoma e imparcial, a Fundação Renova é controlada pelas empresas Samarco, Vale e BHP Billiton. A entidade possui um conselho curador responsável por aprovar os planos, programas e projetos propostos pela Diretoria Executiva da Renova, formado por nove integrantes, sendo seis deles indicados pelas próprias empresas controladoras da Samarco, a Vale e a BHP Billiton.

Essa maioria absoluta dá às empresas, que cometeram o crime, o poder para decidir sobre quem deve ou não ser indenizado. Assim, a Fundação Renova é, na verdade, um instrumento que tem sido utilizado pelas empresas para impedir ou dificultar medidas de reparação que signifique custo financeiro para as mineradoras.

Quatro anos depois do crime de Mariana, o que impera é a ausência de solução e o aprofundamento da violência e das violações dos direitos dos atingidos. Nesse sentido, para demonstrar o desprezo da Fundação Renova com a população afetada pelo crime de Mariana, os atingidos por barragem decidiram se unir em mutirão para construir uma casa no município de Barra Longa (MG).

Como os atingidos afirmaram em carta aberta à sociedade, “no caminhar dos acontecimentos na bacia do Rio Doce, a construção de uma casa parece ser uma tarefa difícil de realizar (quatro anos!). Nós sabemos que não é. Ao longo da nossa Jornada de Lutas, iremos construir uma, tijolo por tijolo. Será bonito, nós atingidos vamos entregar uma casa para um dos nossos. Faremos juntos, organizados. Se a Vale destrói, o povo constrói”.

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